sábado, novembro 01, 2014

Castelo Rodrigo, no Livro das Fortalezas, de Duarte de Armas.

Capa do Livro das Fortalezas, com a imagem de Castelo Rodrigo.
Adicionar legenda




D. Manuel I (1495-1521) realizou vasta obra para centralizar e modernizar o governo de Portugal. Entre as mais importantes reformas, destacam-se as Ordenações Manuelinas e a chamada Leitura Nova, a reforma dos forais que resultou em 596 novos forais em todo o reino. Noutro campo, o monarca decretou a execução do Livro do Armeiro-Mor, da Sala de Sintra e do Livro da Nobreza e Perfeiçam das Armas, para regulamentar o uso de armas heráldicas no reino e tornar manifesta a vontade do soberano como fonte da honra.

O Livro das Fortalezas insere-se nesta corrente centralizadora e reformadora. O monarca incumbiu Duarte de Armas, escudeiro da Casa Real, de vistoriar as fortificações lindeiras com Castela, desejando inteirar-se do estado de conservação das mesmas. Duarte de Armas, acompanhado de um criado a pé, percorreu a cavalo a maioria das povoações acasteladas da fronteira, elaborando esboços em papel (debuxos) com as suas panorâmicas (ao menos duas por povoação, de diferentes direcções) e as plantas dos respectivos castelos, nelas indicando os trechos mais arruinados, onde obras se faziam mais necessárias.

A pesquisa contemporânea aponta o início da Primavera de 1509 como a data de início da viagem de trabalho em Castro Marim, até à sua conclusão, sete meses mais tarde, em Setembro, em Caminha. Foram visitadas nesse percurso 56 povoações/castelos. No regresso a Lisboa, foram visitadas ainda Barcelos e Sintra. Tendo coligido o material, o autor organizou um códice de dois volumes, concluídos em Março de 1510.
Características
Os dois volumes da obra de Duarte de Armas viriam a ser conhecidos como Livro das Fortalezas, uma vez que o autor não nomeou a sua obra, fazendo-a anteceder apenas por uma nota de próprio punho, que reza: Este livro he das fortalezas que sam setuadas no estremo de portugall e castella (...).

O códice contendo os dois volumes encontra-se actualmente depositado no arquivo nacional da Torre do Tombo, em Lisboa (cota: Códices e documentos de proveniência desconhecida, n.º 159. Cota antiga: CF (casa-forte) 159). Os dois volumes, com 139 fólios no total, são actualmente denominados:

Códice B, constituído por folhas de papel de linho, apresentando 110 plantas (plantaforma), com as dimensões de 296 x 404mm, relativas a 55 povoações na raia. Todos os desenhos compreendem notas explicativas destinadas a suprir a carência de alguns detalhes nas ilustrações.
Códice A, constituído por grandes folhas de pergaminho com vistas panorâmicas (tirado naturall, comportando maior detalhamento), com as dimensões de 350 x 490mm. Neste códice estão compreendidas duas vilas não-fronteiriças – Barcelos e Sintra –, com uma e três vistas, respectivamente.

Os estudiosos destacam, no último códice em particular, diversos aspectos ilustrativos da vida quotidiana das povoações portuguesas à época que humanizam as imagens, tais como o homem e os jumentos em Castelo Branco; os pastores em Monsanto e Almeida; as mulheres que foram buscar água em Ouguela e Montalvão; ou ainda os enforcados em Serpa e Elvas – que, paradoxalmente, dão vida às imagens.

Para além destas figuras, o próprio Duarte de Armas e o seu criado podem ser vistos numerosas vezes ao longo da obra. Um a cavalo, o outro a pé, de chegada ou de partida, as duas figuras conferem aos desenhos grande dinamismo – veja-se, por exemplo, os casos de Olivença e de Freixo de Espada à Cinta. O autor desenhou ainda por vezes pequenos detalhes de grande beleza, como os pássaros em Penas Roias e Castro Laboreiro. Note-se também os ninhos e cegonhas nas torres de Nisa.

Um estudo detalhado da obra mostra no entanto que Duarte de Armas prestou atenção também a outros pormenores mais importantes. No rio Minho, por exemplo, podemos ver caravelas e grandes naus em Caminha, na foz do rio. Também em Vila Nova de Cerveira e em Valença se vêem naus; mas em Monção, mais a montante, Duarte de Armas desenhou já apenas uma barca – indicando assim a navegabilidade do rio, e até que ponto o transporte de mercadorias seria feito por via fluvial. Do mesmo modo podemos analisar a tipologia e evolução dos diversos castelos, afinal o tema principal da obra. Para além dos comentários escritos, os próprios desenhos revelam o grande poder de observação do autor e a atenção ao essencial da sua missão: as fortalezas, isto é, as muralhas, torres albarrãs e de menagem, barbacãs, couraças, cubelos, ameias, etc.

A obra é considerada o mais vivo testemunho do debuxo, técnica de ilustração vigente à época de D. Manuel I. O autor indica, nas panorâmicas, os percursos entre cada povoação com as distâncias, principais acessos, estado dos caminhos, conformação do terreno, cursos de água e navegabilidade, pontes, fontes, poços, culturas e pomares, edifícios militares, religiosos e civis e outros, em alguns casos até mesmo da povoação castelhana vizinha. O mesmo se repete em relação às plantas, onde se indicam as dimensões, tipos e estado das defesas, altura e espessura dos muros, distância entre torres e cubelos, finalidade dos compartimentos, acessos e outros.

Com relação aos instrumentos utilizados pelo profissional, o trabalho ilustra o emprego da lança (que à época substituía a vara medieval), do cordel e da bússola.


Nenhum comentário: